Biomarcadores e mapa genético buscam diminuir risco de rejeição em transplantes

Biomarcadores e mapa genético

Biomarcadores e mapa genético são avanços científicos podem ajudar na demanda crescente; Brasil conta com mais de 41 mil pessoas na fila de espera

Uma descoberta científica identificou 158 genes que se expressam de forma diferente durante episódios de rejeição em órgãos transplantados, número quase 20 vezes maior do que o esperado por acaso. O estudo, publicado na revista Nature Medicine em junho, desenvolveu um mapa da atividade genética capaz de revolucionar o acompanhamento de transplantes. 

Esse avanço na medicina chega no momento em que o país alcançou a marca histórica de mais de 30 mil transplantes, segundo dados do Ministério da Saúde relativos a 2024. O crescimento de 18% em relação a 2022 demonstra a alta na demanda por procedimentos. Até o ano passado, eram 41 mil pessoas na fila de espera por essa cirurgia que, historicamente, enfrenta desafios relacionados à rejeição e complicações pós-transplante

A pesquisa liderada pelo estatístico Harry Robertson, da Universidade de Sydney, marca a primeira vez que cientistas identificaram biomarcadores de rejeição que aparecem no sangue de pacientes transplantados. A equipe analisou 54 conjuntos de dados, incluindo 40 estudos de transplante de rim, cinco de pulmão, cinco de fígado e quatro de coração.

“A descoberta dos biomarcadores são fundamentais porque nos permite desenvolver estratégias para aumentar as taxas de sucesso de todos os transplantes”, explica Robertson, segundo publicação da Nature Medicine. Os biomarcadores identificados estão envolvidos na secreção de proteínas que estimulam os glóbulos brancos, enzimas que induzem a morte celular e receptores nas células que controlam a entrada e saída de materiais.

Tecnologias auxiliam diagnóstico e avaliação de rejeição com biomarcadores

Conforme o estudo, atualmente, médicos suspeitam de rejeição quando há sinais de que o órgão transplantado não está funcionando adequadamente. Entretanto, pacientes podem não apresentar sintomas antes da falha do órgão, tornando uma biópsia invasiva a única forma de confirmar o diagnóstico. 

A equipe de pesquisadores responsável pelo estudo criou um site interativo que permite que cientistas de todo o mundo comparem biomarcadores de rejeição com outros métodos, fornecendo avaliação padronizada para futuras pesquisas. O atlas desenvolvido estabelece as bases para um exame de sangue universal que pode calcular o risco de rejeição previamente.

Inovações tecnológicas também têm sido desenvolvidas para facilitar o trabalho de diagnóstico sobre a necessidade de transplante. A Pontuação de Insuficiência Hepática Aguda do Hospital Infantil de Los Angeles (CHALF) é um exemplo. O aplicativo gratuito, baseado em aprendizado de máquina, prevê se uma criança com insuficiência hepática aguda irá se recuperar ou se será necessário transplante, conforme estudo publicado no periódico científico Transplantion.

O modelo foi treinado com dados de 147 pacientes pediátricos e validado em um grupo de 492 pacientes semelhantes. A ferramenta avalia o risco em uma escala de 5 a 60 pontos, onde pontuações acima de 30 indicam necessidade de encaminhamento urgente para transplante. Para casos que requerem avaliação complementar, procedimentos como endoscopia digestiva podem auxiliar no diagnóstico e no acompanhamento de complicações relacionadas ao transplante.

Outras abordagens inovadoras estão sendo testadas. Cientistas norte-americanos desenvolveram uma espécie de vacina que utiliza peptídeos naturais modificados sinteticamente para estimular células reguladoras T CD8. 

Segundo o artigo publicado no Journal of Clinical Investigation, a droga promove a regulação imunológica através de autopeptídeos que sinalizam células imunológicas prejudiciais para serem eliminadas pelos reguladores do próprio corpo, o que “prolonga a vida útil do enxerto ou mantém o órgão funcionando com pouca, ou nenhuma imunossupressão”.

Já um grupo de pesquisadores canadenses desenvolveu uma tecnologia baseada em modificação genética das células do doador. A abordagem combina a tecnologia do “interruptor de desativação” FailSafe com uma estratégia de camuflagem imunológica, criando transplantes que persistem por longo prazo em modelos animais sem necessidade de supressão imunológica.

Tipos e mecanismos de rejeição

A rejeição de órgãos sólidos pode ser classificada em quatro categorias distintas, de acordo com informações do Manual MSD para Profissionais de Saúde. A rejeição hiperaguda ocorre nas primeiras 48 horas após o transplante, causada por anticorpos preexistentes fixadores de complemento contra antígenos do enxerto. Com melhorias na triagem pré-transplante, tornou-se rara, afetando apenas 1% dos casos.

Nos primeiros cinco dias pós-transplante, dois tipos de rejeição podem ocorrer: a acelerada (3-5 dias), provocada por anticorpos preexistentes não fixadores de complemento, e a aguda (após 5 dias), mediada por células T que atacam o enxerto – esta última responsável por metade dos casos em uma década.

O tipo mais complexo é a rejeição crônica, que pode ocorrer meses ou anos depois do transplante. Caracterizada por disfunção do enxerto sem febre, tem múltiplas causas, incluindo rejeição mediada por anticorpos, isquemia periprocedural, toxicidade farmacológica e fatores vasculares como hipertensão e hiperlipidemia.

Desafios e perspectivas 

O progresso científico convive com desafios que persistem na área de transplantes. “A preocupação de todo mundo que trabalha com transplante atualmente é o número de doadores”, afirma o médico Lucio Pacheco, chefe de transplante hepático da Rede D’Or no Rio de Janeiro, em entrevista à imprensa. O especialista destaca que apenas 55% das famílias entrevistadas em 2024 autorizaram doações de órgãos, segundo dados do Ministério da Saúde.